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Padre Jesus Santiago Moure: dados biográficos

Adaptado de Melo, G. A. R. & Alves-dos-Santos, I. 2003. Moure 90 anos: uma trajetória em imagens. In G. A. R. Melo & I. Alves-dos-Santos (eds.), Apoidea Neotropica: Homenagem aos 90 Anos de Jesus Santiago Moure. Editora Unesc, Criciúma. pp. 3-10. Disponível em

Atualmente, o Prof. Jesus Santiago Moure está com 93 anos, vive em Batatais, São Paulo, estando afastado das atividades acadêmicas e científicas que durante mais de 60 anos manteve junto à Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Contudo, nem por isso, deixou de manter vínculos com a academia. Recentemente, em 26 de abril, viajou até Brasília para receber o Diploma de Pesquisador Emérito como parte das comemorações dos 55 anos do CNPq.

Anos Formativos: Seminário e Sacerdócio

Em 1925, então com 12 anos de idade, o Padre Moure foi estudar no Seminário Claretiano, em Curitiba, de onde, em 1929, seguiu para o Seminário Maior Claretiano, em Rio Claro. No período de 1929 a 1932, obteve sua formação superior em Filosofia, Ciências Naturais, Física e Matemática.

Foi nessa época que ocorreu sua primeira aproximação com as ciências naturais, em particular a Botânica. Conta com orgulho da monografia de História Natural por ele realizada sobre a flora encontrada na área do Seminário Claretiano em Rio Claro, Pugillus Plantarum Rioclarensium. Nesta época também, em companhia do colega de seminário Francisco Pereira, o Padre Pereira dos escarabeídeos, aproveitava os poucos momentos de folga para coletar insetos.

Nesta fase aprendeu latim, grego, francês, espanhol e hebraico, o que lhe foi muito útil na vida científica, possibilitando ler as descrições das espécies feitas pelos autores antigos do século XIX e ter completa desenvoltura para propor nomes para suas abelhas. Mesmo um rápido exame dos nomes científicos por ele propostos revela sua predileção pelo grego, o que resultou em muitos nomes que à primeira vista parecem impronunciáveis, como por exemplo Ariphanarthra, Alepidosceles, Colocynthophila, Compsoclepta, Ctenosibyne e Pachyceble.

Em 23 de maio de 1937, em Guarulhos, na cidade de São Paulo, recebeu a Ordenação Sacerdotal pela Ordem dos Claretianos. Sua dedicação ao sacerdócio permite entender também porque as iniciais 'CMF' aparecem associadas ao seu nome em grande parte de suas publicações (1938 a 1975). Estas iniciais são uma abreviatura da expressão Cordis Mariae Filii ou Filhos do Coração de Maria, como são chamados os sacerdotes da Ordem Claretiana.

Professor e Cientista

No período que se encontrava em São Paulo, em 1937, entrou em contato com entomólogos do Museu Paulista, em particular Frederico Lane. A partir de auxílios como tradutor de textos entomológicos em latim, aproximou-se da taxonomia de insetos. Sua primeira publicação, em colaboração com Lane, apareceu em 1938. Publicou mais dois trabalhos com Lane, em 1938 e 1940. Estes três artigos representam sua brevíssima incursão pela taxonomia dos besouros.

De volta a Curitiba, passa a lecionar no Seminário Claretiano em 1938, tornando-se também naquele ano professor fundador da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Curitiba, que mais tarde seria integrada à Universidade do Paraná, federalizada em 1950. Logo se associou ao Museu Paranaense, uma instituição mantida pelo governo do Estado do Paraná, assumindo a Diretoria da Divisão de Zoologia em 1939 e, posteriormente, como Diretor do Museu entre 1952 e 1954.

A produtiva carreira como sistemata de abelhas começou também nessa época. O estímulo inicial veio do próprio Lane, que reconhecia a importância da coleção de abelhas do Museu Paulista, então abandonada desde a saída de Curt Schrottky, no início do século. Em 1940, o Padre Moure publica seu primeiro trabalho com abelhas, intitulado Apoidea Neotropica, o primeiro de uma série de três artigos tratando principalmente de halictíneos. Esses trabalhos iniciais já revelam as características que marcam sua atuação como sistemata: seu olho clínico para detalhes morfológicos, permitindo separar facilmente grupos que até então tinham recebido apenas definições vagas pelos autores prévios, e sua atenção para mensurações e proporções. Além de várias novas espécies, alguns gêneros novos são também propostos, como Habralictus, Paroxystoglossa e Thectochlora. Aqui também é fácil reconhecer sua marca registrada-a adoção de conceitos restritos para os grupos tratados como gêneros em abelhas-uma abordagem incompreendida por muitos melitólogos que ainda o consideram um splitter.

Além de atuar como professor e cientista, o Padre Moure mantinha também uma intensa vida como sacerdote. Muitos de seus colegas do mundo científico aproveitaram-se desta duplicidade da vida do Padre Moure. Já que seu colega era padre, porque não ter o casamento consagrado por ele?! O Padre Moure se tornou um casamenteiro bastante requisitado. Celebrou o casamento de Prof. Ronaldo Zucchi, Prof. Lionel Gonçalves, Prof. João Camargo, entre muitos outros.

Colaboradores

Em 1948, ainda no início de sua carreira, o Padre Moure já tinha publicado 25 trabalhos, a grande maioria deles sem envolver co-autoria com outros pesquisadores. A partir de 1950, estabelece fortes colaborações com pesquisadores brasileiros e estrangeiros, nesse período inicial em particular com Warwick Estevam Kerr e Paulo Nogueira Neto.

Um de seus grandes amigos e também colaborador é o Prof. Charles Michener, da Universidade de Kansas. O primeiro contato entre eles ocorreu quando Michener preparava sua revisão sobre as abelhas do Panamá, publicada em 1954. Pouco familiarizado com a complexa fauna neotropical, Michener recorreu ao Padre Moure, que nesta época já possuía uma ampla visão sobre a sistemática de abelhas de toda a região Neotropical. A vinda do Prof. Michener e sua família ao Brasil, que permaneceram em Curitiba de junho de 1955 a julho de 1956, permitiu que a colaboração entre eles se concretizasse na forma de importantes revisões de grupos neotropicais de abelhas, como as tribos Eucerini, Exomalopsini e Tapinotaspidini, publicadas entre 1955 e 1957.

O Padre Moure manteve também extensa colaboração com Paul Hurd, com quem realizou uma extensa revisão mundial de todos os subgêneros de Xylocopa, publicada em 1963, e mais tarde um catálogo completo para os halictíneos do Novo Mundo, publicado em 1987.

Entre seus colaboradores mais recentes devemos destacar dois de seus ex-alunos: a Profa. Danúncia Urban e o Prof. João Camargo, que fizeram carreira brilhante na sistemática das abelhas. O mundo dos Eucerini e Anthidiini da América do Sul foi todo desvendado graças aos esforços da Profa. Danúncia; e para os meliponíneos, não há quem desconheça o talento e os trabalhos maravilhosos do Prof. Camargo.

Pioneirismo

O Padre Moure participou da fundação da SBPC, CNPq e Capes, ou seja simplesmente dos principais órgãos relacionados à pesquisa e ciência do país até hoje. Relembra com entusiasmo de sua viagem a Campinas, SP, em companhia de Metry Bacila e Marcos Enrietti, para participar da fundação da SBPC em 1948. Não deixa de fora o detalhe que nesta época a estrada que ligava Jundiaí a Campinas era de terra!

Ele lutou muito para instalar a pós-graduação no Brasil, pois sabia que isso nos destacaria entre os países emergentes. De certa forma, pode-se dizer que o Padre Moure e seus contemporâneos semearam a pesquisa no Brasil. Se hoje temos uma comunidade cientifica organizada e respeitada internacionalmente, com órgãos de fomento nacionais e estaduais fortes, cursos de pós graduação em todo território nacional, devemos este feito à geração do Padre Moure. Eles foram corajosos, persistentes e sabiam que isso garantiria um futuro melhor para o Brasil. Sabiam que o País tinha potencial e capacidade para produzir conhecimento e se tornar aos poucos independente tecnologicamente.

Além disso, o Padre Moure participou da formação da Sociedade Brasileira de Entomologia, em 1937, e da Sociedade Brasileira de Zoologia, em 1978. Hoje, estas sociedades possuem, juntas, mais de 900 sócios ativos. O Padre Moure participou ativamente da criação de um dos primeiros cursos de pós-graduação da Universidade Federal do Paraná, o de Entomologia, implantado em 1969. Este programa é altamente conceituado na Capes e, até junho de 2006, havia formado 414 mestres e doutores, sendo que destes, 35 mestres e 12 doutores obtiveram seus títulos sob a orientação do Padre Moure.

Carreira Internacional

As primeiras viagens realizadas pelo Padre Moure ao exterior ocorreram no início da década de 1950, quando em visita a instituições argentinas. Durante a permanência do Prof. Michener no Brasil, eles realizaram uma viagem à Argentina e ao Chile. Uma grande aventura, principalmente pelos apuros passados quando a tentativa de atravessar os Andes de carro foi frustrada por uma forte nevasca.

Quando Michener e sua família retornaram aos E.U.A., em 1956, o Padre Moure os acompanhou para Lawrence, como professor visitante da Universidade de Kansas. Uma longa viagem, com parada em Caracas, na Venezuela, para reparos na aeronave (!), e no Panamá. O Padre Moure permaneceu em Kansas até julho de 1957, tendo realizado várias viagens a museus norte-americanos nesse período. Foi na Universidade de Kansas que conheceu Robert Sokal e pode participar do desenvolvimento inicial da taxonomia numérica. Esse primeiro contato com os primórdios da taxonomia numérica teve um profundo impacto na carreira subseqüente do Padre Moure, tanto como professor quanto sistemata. Foi também durante sua primeira estada em Kansas, que o seu catálogo para as abelhas da região Neotropical, então levado de Curitiba até lá como fichas manuscritas, foi datilografado em cartões. Uma cópia carbono dos cartões foi trazida de volta para Curitiba e os originais permaneceram na Universidade de Kansas, sendo até hoje lá utilizados!

Por sugestão e suporte do Prof. Michener, foi obtido um auxílio da National Science Foundation para que o Padre Moure pudesse visitar os museus europeus contendo material tipo de abelhas neotropicais. De julho de 1957 a agosto de 1958, o Padre Moure viajou pela Inglaterra (Oxford e Londres), França (Paris), Itália (Gênova, Turim), Suíça (Zurique), Áustria (Viena), Holanda (Leiden), Dinamarca (Copenhague), Suécia (Estocolmo e Uppsala) e Espanha (Madrid). Retornou ao Brasil com cerca de 1700 páginas manuscritas com notas de todo o material visto durante esse período.

Em anos subseqüentes, o Padre Moure realizou inúmeras outras viagens a diversos outros países, tanto na Europa quanto América do Norte, que permitiram aprofundar seus estudos do material tipo de nossas espécies de abelhas. No início da década de 1960, chegou a ser convidado como professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley. A pedido da Fundação Rockefeller, que tinha contribuído com vários auxílios financeiros para suas viagens e para a UFPR, declinou da proposta de permanecer nos EUA. Felizmente, podemos dizer agora.

Cursos no Brasil

Por muitos anos, o Padre Moure percorreu todo o Brasil ministrando seus famosos cursos de Taxonomia Numérica para estudantes em diversos centros de pesquisa e durante congressos, principalmente os de Zoologia. Não mediu esforços para difundir as aplicações dos métodos numéricos na Biologia. Quem não se lembra dos 'cookofitos' do Padre Moure? No final de 1982, mesmo com sua aposentadoria compulsória, o Padre Moure, então com 70 anos, não deixou de lado suas atividades como professor. Continuou ativamente ministrando cursos e intensificou suas visitas aos núcleos emergentes de pesquisa com abelhas que estavam se estabelecendo pelo País. Esteve por São Luís, Viçosa, São Paulo, Salvador, Porto Alegre, João Pessoa, Belo Horizonte, Recife, dentre vários outros centros.

A Família

Jesus Santiago Moure é filho de Miguel Moure Santiago e Maria Santiago Souto. Seu pai era engenheiro e deixou a Espanha (Galícia), com destino ao Brasil, para trabalhar na construção das estações ferroviárias da antiga Companhia Mogiana. Seu nascimento, em 2 de novembro de 1912, ocorreu cerca de dois meses após a chegada de seus pais ao Brasil. Seu irmão, Manoel Moure Santiago, nasceu dois anos depois. A infância foi passada em Ribeirão Preto e depois em Santos, onde estudou as primeiras letras. Com a gripe espanhola, a família deixou Santos e retornou a Ribeirão Preto. Atualmente, seu irmão, sua cunhada e sobrinhos, por quem tem muito apreço, vivem em Ribeirão Preto.

Homenagens e Reconhecimento

Seu trabalho como cientista e sua dedicação ao desenvolvimento e expansão da ciência no Brasil sempre tiveram reconhecimento unânime entre seus contemporâneos, tanto colegas como discípulos. Em 1961, por indicação de Costa Lima e Lauro Travassos, ingressou na Academia Brasileira de Ciências, da qual recebeu o 'Prêmio Costa Lima' em 1970. Numerosos outros prêmios e homenagens foram a ele concedidos, destacando-se as medalhas recebidas durante as comemorações dos 30 anos do CNPq (1981), dos cinqüentenários da Sociedade Brasileira de Entomologia (1986) e da Capes (2001), o Prêmio 'Frederico de Menezes Veiga' concedido pela Embrapa (1998) e as mais elevadas condecorações concedidas pelo governo brasileiro a cientistas-'Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico' (1995) e 'Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico' (1998). Mais recentemente, em 26 de abril de 2006, recebeu o Diploma de Pesquisador Emérito como parte das comemorações dos 55 anos do CNPq.

Merece destaque também a homenagem prestada pelo Departamento de Zoologia que, em 1982, passou a denominar sua coleção de Entomologia como 'Coleção de Entomologia Prof. Pe. Jesus Santiago Moure', bem como sua inclusão no livro 'Cientistas do Brasil', publicado durante as comemorações do 50º. aniversário de fundação da SBPC.


Financiadora de Estudos e Projetos, Finep
Universidade Federal do Paraná, UFPR
Centro de Referência em Informação Ambiental, CRIA